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A MOTIVAÇÃO JUDICIAL E O PERMISSIVO REGIMENTAL (Art. 252 do TJSP) PARA DECISÕES COM FUNDAMENTAÇÃO “P

A MOTIVAÇÃO JUDICIAL E O PERMISSIVO REGIMENTAL (Art. 252 do TJSP) PARA DECISÕES COM FUNDAMENTAÇÃO “PER RELATIONEM”.





Márcio Gustavo Pereira Lima

Advogado especialista em Processo Civil




Com a pretensão de acelerar a tramitação dos processos judiciais, e assim atender a ´orientação´ inserida na Constituição pela EC 45, denominada de garantia da razoável duração do processo, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo instituiu que os colegiados pudessem adotar as razões de decidir do pronunciamento judicial objeto da revisão.

Isto é, caso os Desembargadores julgassem suficiente a motivação do decisum atacado, bastaria ratificá-lo, sem necessidade de enfrentar as razões recursais.

Para não se haver dúvida acerca dessa hipótese, a reprodução da dicção estampada no enfocado artigo vem a propósito:


“Nos recursos em geral, o relator poderá limitar-se a ratificar os fundamentos de decisão recorrida, quando, suficientemente motivada, houver de mantê-la”.


Sem erro, o Tribunal Bandeirante enxergou nesse dispositivo um caminho para esvaziar os escaninhos que estariam abarrotados.

A pergunta que se impõe, é se assim o fazendo estaria respeitando apenas uma das ordens constitucionais: a razoável duração do processo (art. 5o., inciso LXXVIII, CF88) em detrimento do dever de motivar as decisões judiciais (art. 93, inciso IX, CF88), garantias que, aparentemente, estariam em posição antagônica, na medida em que motivar as decisões judiciais evitando a consequência do artigo 11 do CPC, com o respectivo preenchimento dos requisitos insertos nos parágrafos do artigo 489 do CPC, implicaria, prima facie em elevado desperdício de tempo dos julgadores do tribunal.

Para responder adequadamente a esse questionamento, se mostra pertinente a observação atenta dos requisitos recém inseridos pelo legislador contemporâneo, como conquistas de uma sociedade genuinamente preocupada com a legitimação da atividade jurisdicional. Não há dúvida que o crescimento exponencial com que os conflitos têm surgido e acessado o Poder Judiciário está em descompasso com o número de decisões proferidas. Não tem o Judiciário acompanhado pari passu a ansiedade contagiosa e a urgência social, fruto das mudanças substanciais provocadas pela era digital, que agravou substancialmente a inoperância secular do Judiciário.

A inserção da garantia da razoável duração do processo, no nosso sentir, se mostrou inócua, dada a vagueza com que foi disposta. Se valeu mais uma vez, como tem sido habitual nessa era do anti-formalismo legislativo, de um conceito genérico e indeterminado, sem diretrizes precisas, dando lugar a uma série de argumentos subjetivos para sua interpretação, capazes de promover situações ainda mais atrozes, que subvertem a própria finalidade da norma constitucional, a exemplo da autorização travestida para “não-fundamentar” disposta no regimento interno do TJSP.

Se mostrava pertinente que fosse inserido um prazo máximo para o término dos processos, como ocorre no processo penal e em outros procedimentos administrativos. A ausência de previsão de prazos específicos dá margem para interpretações tétricas e teratológicas, pois razoável é um conceito preenchido de maneira absolutamente subjetiva sob as mais diversas hipóteses.

Além dessa possível interpretação caolha, a garantia da razoável duração do processo serviu apenas de sustentáculo para a eliminação do dever de fundamentar a que o E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo estaria obrigado. Ainda que se diga que a mera ratificação do julgado é uma forma de fundamentar, ousamos discordar.

Apesar de vozes em sentido contrário, parece-nos mais adequado o posicionamento adotado pela Ministra Maria Thereza de Assis Moura do STJ, no julgamento dos Habeas Corpus números 76.850/SP e 232.653/SP:


“o dever de motivar as decisões implica necessariamente cognição efetuada diretamente pelo órgão julgador. Não se pode admitir que a Corte estadual limite-se a manter a sentença por seus próprios fundamentos e adotar o parecer ministerial, sendo de rigor que acrescente fundamentação que seja própria do órgão judicante. A mera repetição da decisão atacada, além de desrespeitar o regramento do art. 93, IX, da CF, causa prejuízo para a garantia do duplo grau de jurisdição, na exata medida em que não conduz a substancial revisão judicial da primitiva decisão, mas cômoda reiteração.”


Outro dado relevante que mereceu destaque na decisão supra, é a garantia do duplo grau de jurisdição, um legado positivo da coroa portuguesa que outorga maior segurança ao jurisdicionado contra eventuais abusos, na medida em que todos os atos públicos, notadamente as decisões, são passíveis de sindicabilidade.

O duplo grau de jurisdição é um preceito de direito fundamental, para o qual não se encerra no exercício do recurso, mas especialmente no direito de obter uma reapreciação da matéria julgada, consistente na análise efetiva dos fundamentos do recurso, o que jamais poderá ser obtida pela prosaica chancela do julgamento anterior. O jurisdicionado possui o direito de observar os motivos porque seus argumentos não seriam hipoteticamente válidos, sendo que a remissão ou referência ao julgado anterior jamais teria esse condão, a não ser que o recurso fosse também mera reprodução da petição inicial ou da contestação, o que, aliás, configuraria defeito formal do recurso, capaz de fulminá-lo por inobservância dos requisitos do artigo 1.010 do CPC.

Com efeito, o regimento interno não prestigia a norma constitucional, seja acerca do dever de fundamentar as decisões como o duplo grau de jurisdição, pelo contrário, impõe sério risco de legitimação aos pronunciamentos judiciais.

Há muito se reclamava por mecanismos processuais que combatessem a morosidade do Judiciário. A exemplo desse pleito recorrente e vestuto, são as palavras proferidas pelo E. Jurista J. NASCIMENTO FRANCO em palestra proferida, inacreditavelmente quase meio século, nos idos de 1978, na sessão de abertura da Primeira Semana de Estudos Jurídicos, em Poços de Caldas:


“Embora reclamem contra a lentidão no andamento de suas causas, os advogados resistem à ideia de que isso ocorre porque lidamos com um processo confuso e protelatório, que precisa ser imediatamente simplificado, com a eliminação de atos notoriamente inúteis, que, não obstante, continuam senso praticados porque embelezam ou solenizam o procedimento, deleitando os fanáticos dos formalismo.”


O mesmo jurista, naquela época, já dizia que as mudanças no Direito vêm a reboque de outras ciências, e persiste tolamente em ser contrário à dinâmica, versatilidade e exigências dos novos tempos de um mundo altamente cambiante.

De maneira alguma, consideramo-nos apologistas do formalismo, tampouco avesso às mudanças de simplificação, que clamam o mercado e a sociedade, para que Judiciário elimine os estigmas de ineficiente, arcaico e desacreditado.

Contudo, não podemos olvidar as conquistas históricas que vigem nesse tempo em que se impõe uma interpretação mista e equilibrada da norma que se curva à supremacia do Estado Constitucional, onde a interpretação deve ser externada silogisticamente por todos que lavram na seara jurídica, iluminada pela nova ordem do dever de fundamentar a incidência sobre o fato, com o escopo de legitimar não só hipótese legal ao caso concreto mas a própria atividade jurisdicional.

E por dever de fundamentar se entende que existam razões lógicas de fato e de direito. Que haja justificativas sobre a percepção das provas da existência do fato, por vezes a compreensão de suas causas. E especialmente porque não se aplicariam as teses defendidas por um e por outra parte.

Esse é ponto de maior relevância, pois quando o jurisdicionado visita o judiciário ele defende a sua interpretação da lei sobre o fato vivenciado, e sobre ele é que deseja o pronunciamento, não podendo o Estado-juiz se eximir de apreciar os direitos invocados que, em tese, incorreriam nos fatos alegados.

Não cumpre ao aplicador do direito avaliar se sobre aquele pedido ou argumento deveria ou não se manifestar, como se experimentava no passado com algumas decisões de que o magistrado ou o órgão colegiado não estariam obrigados a se manifestar sobre todos os pontos da arguição do queixoso. Isso, felizmente, parece-nos estar superado sem espaço nos tempos hodiernos.

Apesar de tudo disso, o regimento interno do Tribunal de Justiça de São Paulo, aparentemente legislando sobre matéria processual (de competência exclusiva da União) e não procedimental, continua defendendo o julgamento através da simples ratificação dos argumentos da sentença, pretextuando a famigerada e necessária celeridade nos julgamentos, o que, repise-se, implicaria inexpugnável nulidade.

Nossa opinião é de que esse comportamento não desafoga o judiciário como equivocadamente se pretenderia através dessa inusitada permissão, aliás, manifestamente inconstitucional. Há quem defende que não, mas os argumentos são escassos na tentativa de justificar o perigoso sincretismo judicial.

A decisão judicial não pode se socorrer desse subterfúgio tendente a violar o dever de motivar, pois poderá redundar num verdadeiro retrocesso aos tempos de arbitrariedade, onde os Poderes não deviam satisfação a quem quer que seja. Essa é uma garantia que não pode jamais ser secundarizada, sob pena de se colocar em risco a própria existência do Estado Democrático de Direito.

__________________________________________

CF88 - LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.



CF88 - IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.



CPC - Art. 11. Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.



CPC - 489 § 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

§ 2o No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.



CPP - Art. 412. O procedimento será concluído no prazo máximo de 90 (noventa) dias.


Art. 24 da lei 11.457/07: "é obrigatório que seja proferida decisão administrativa no prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias a contar do protocolo de petições, defesas ou recursos administrativos do contribuinte".



CPC - Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

I - os nomes e a qualificação das partes;

II - a exposição do fato e do direito;

III - as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade;

IV - o pedido de nova decisão.


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